sábado, 27 de dezembro de 2008

Barra da Tijuca - O Plano Lucio Costa e o Monstro Urbano do Capital Especulativo


"A força da grana que ergue e destrói coisas belas”
Caetano Veloso

Ao elaborar o Plano Piloto para Urbanização da Barra da Tijuca, Pontal de Sernambetiba e de Jacarepaguá, no finzinho dos anos 60 e início dos 70, Lúcio Costa propunha para o bairro da Barra da Tijuca uma nova forma de organização do espaço: o crescimento urbano aliado às questões ambientais, preservação de seus ecossistemas: mangue, restinga e mata atlântica. Mas a expansão urbana e a valorização do bairro fizeram com que as questões ambientais fossem totalmente desconsideradas.
O que viabilizou a elaboração do Plano Piloto foi que, até então, o uso do solo era rarefeito, a região era uma área plana, ideal para a execução dos princípios do urbanismo modernista racionalista e porque a área se manteve livre da ocupação urbana da cidade do Rio de Janeiro, cercada entre dois maciços, preservando suas belezas naturais e mantendo seus ecossistemas quase intocado, até o início da ocupação.
Tal plano pretendia estabelecer critérios para a urbanização da região e, através da ordenação espacial, propunha conciliar a urbanização e a preservação do meio ambiente. Por isso, o Plano Lúcio Costa possuía um caráter flexível. A ocupação da área gradativamente possibilitaria a análise dos projetos de edificações das áreas, caso a caso, sem deixar de lado a preocupação com a natureza.
Também não se pretendia criar áreas de segregação, mas sim desenvolver a região para todas as camadas da população, ao contrário do que acontecia no restante da cidade do Rio de Janeiro. Manter as colônias de pescadores, os moradores históricos, além de reservar áreas para a criação de casas populares. Porém a atuação dos agentes transformadores (leia-se os atores envolvidos no processo de construção do espaço urbano: o grande capital imobiliário, que engloba as empresas construtoras, os promotores imobiliários e os corretores de imóveis e a conivência comprometedora das esferas governamentais) contribuiu efetivamente para que a Barra da Tijuca se tornasse uma área destinada a uma classe média privilegiada, excluindo as camadas mais baixas da população. Com isso criou-se um estereótipo para a Barra da Tijuca como sendo um lugar de emergente, mas com uma conotação negativa, pois não havia, e não há, projetos de moradia que beneficie classes mais baixas, dando respaldo de opinião para iniciar o processo criminoso de limpeza social, que hoje avança com seu Aparteid em direção a Jacarepaguá, Itanhangá, Recreio e Vargens.
O Plano como instrumento de ordenação da ocupação urbana na Barra da Tijuca gerou conflitos entre os agentes responsáveis pela produção do espaço urbano. A influência desses agentes aliados à inexistência de um respaldo jurídico em relação à importância e obrigação da preservação dos ecossistemas, foi decisiva para a não realização do projeto de Lúcio Costa, principalmente sobre esse ponto de vista. Seu modelo não foi seguido e o processo de construção e expansão da Barra da Tijuca foi modificado desconsiderando a dinâmica dos ambientes costeiros. A degradação do mesmo, associada a outros problemas, contribuiu para que muito fosse modificado em relação ao plano original.
A “contribuição” dos agentes imobiliários foi agregar valor de troca ao solo do bairro, principalmente através do chamado “marketing ecológico”, vendendo, não só seus imóveis mais a paisagem da natureza e um “novo estilo de vida”. Venderam o que destruíram. Eles se apropriaram dos ideais de Lúcio Costa, no que diz respeito a “paisagem agreste que importa preservar” para vender seus empreendimentos, sem se preocuparem de fato com o meio ambiente, as lagoas, dunas, mangue etc., que chamavam de amenidades naturais da região. Agora vendem a imagem da preservação e do reflorestamento. A mentira construída ao lado da gigantesca fossa que ainda chamam de lagoa.
Outro ator que contribuiu bastante foi o Estado, permitindo que a legislação fosse ajustada ao interesse desse grande capital imobiliário privado. Mais gravemente, o Estado até hoje não instalou a infra-estrutura necessária para a ocupação do bairro. Essa “briga” por saneamento básico na Barra data do início da década de 80, com a proposta de construção do emissário da discórdia e até hoje não teve fim; o emissário ainda não funciona plenamente e já está superado e obsoleto. É preciso conciliar com outras propostas, mas nenhuma consegue ser mais rápida que as máquinas da ganância dos especuladores.
Com relação ao sistema costeiro do bairro, quase tudo foi alterado ou até mesmo destruído. Lúcio Costa previu a preservação total da restinga. Com a chegada da ocupação urbana, houve a construção de aterros irregulares nas bordas das lagoas, desmatamento, construção de canais artificiais e retilínezação de outros e com o aumento demográfico, ocorreu o aumento da concentração de matéria orgânica nas lagoas. Os condomínios Barramares e Atlântico Sul, foram os pioneiros a desrespeitar o Plano abrindo precedentes para todas as construções hoje existentes na orla. O famoso corredor de sombras sobre a praia.
Apesar dos inúmeros decretos e leis para a ordenação do espaço da Barra da Tijuca, na prática os agentes privados da produção do espaço urbano ( especuladores ) sempre conseguiram aprovar empreendimentos fora dos padrões estabelecidos no plano, através de brechas criadas nas legislações de uso do solo, em cada época, ou simplesmente ignorando as leis, desvirtuando assim toda a característica pensada para o espaço urbano da Barra da Tijuca.
O Estado, ONGs, Universidades e a sociedade civil organizada discutem o futuro do Plano Piloto e a importância da conservação da natureza e principalmente dos sistemas lagunares na Barra da Tijuca. Contudo, o que se observa na prática, fora da “fórmula de velho oeste”(Grilar, expulsar o pobre para longe, construir irregularmente, destruir o meio ambiente, anunciar como paraíso e vender caro, muito caro) é que muito pouco, ou nada, foi feito ao longo dos mais de 30 anos de ocupação urbana no bairro.
Hoje a Barra vive um caos no trânsito nas horas de pico. Partes do Bairro fedem a esgoto. A Lagoa está morta. Até a “Saveia”, peixe que os pescadores desprezam, sumiu. A praia está praticamente comprometida com a alta taxa de poluição, as dunas desapareceram da paisagem, a suposta segurança que seria conquistada com limpeza social, não aconteceu, o metrô não chegou, nem a barca, ou o VLT. As estações de tratamento do PAN não sairam do papel. Carregamos nos ombros o estigma do atraso. O estatuto da Cidades não foi sequer considerado por aqui. Somos a única capital brasileira sem um plano diretor atualizado, ainda é o mesmo de 1992 e a seis anos passados de sua data limite de revisão. Mas a especulação avança cheia de tentáculos, como um grande monstro, livre de inimigos preocupantes, financiando campanhas dos amigos do peito, arrancando da paisagem o pouquinho que ainda nos lembra o sonho de Lúcio Costa.

O futuro? Perguntem ao Paes. Ele foi um Sub-Cesar que dirigiu tratores nesta triste história. A partir de Janeiro ele será Imperador.

4 comentários:

Anônimo disse...

É por isso que sou seu fã......um Grande abraço

André

Barraco o Bamba disse...

Moro há 12 anos no Recreio dos Bandeirantes e ainda não consigo me situar no traçado incompreensível das ruas do bairro. O projeto deve ter ficado lindo na parede, mas é um suplício para os transeuntes.

Anônimo disse...

Falta imaginação ou cultura à imprensa do Rio de Janeiro?

Morrem peixes com regularidade nas lagoas da Barra da Tijuca, que fedem o tempo todo! No bairro, está a sede do Comitê Olimpico Brasileiro (COB). Esse é mesmo o país da piada pronta, como diz o comediante José Simão! Essas mortandades devem ser parte do “Programa Lagoas Sujas“! – Programa sob o alto patrocínio da poder concedente, a Prefeitura, que não fiscaliza ou sequerdefine prioridade, e da concessionária, há muito totalmente à deriva.

Quando morrem peixes, o mesmo biólogo de sempre diz as mesmas coisas de sempre para o mesmo jornal de sempre: “a culpa é dos esgotos”. ”Divinhão”, como dizia a garotada no colégio interno. Sonega “apenas” o fato principal: a ÚNICA responsável pelo lançamento continuado de esgotos é a concessionária desses serviços, que atende pela alcunha de CEDAE!

Carlos Salles disse...

A faxina social e a destruição do meio ambiente promovido pela ganância das grandes corporações com apoio governamental, transformou o sonho em pesadelo. Quando vejo a Barra da Tijuca de outrora, sinto saudades daquilo que não vivi. Difícil reverter o quadro caótico e voraz dos empreendimentos da Barra e Recreio. Talvez ainda possamos salvar Guaratiba; uma virgem em meio às Vargens, que desconhece o apetite de seu algoz.