domingo, 22 de junho de 2008

Chácara do Céu, Alto da Boa Vista e outras Lendas Urbanas. O pobre no caminho da expansão imobiliária.


"Pregue mentiras em série para tentar criar a verdade que lhe interessa."


Direto ao assunto. A Comunidade da Chácara do Céu, nas encostas do Dois Irmãos, ocupava em 1999 uma área de 21. 353,96 m², hoje se mantém exatamente nos mesmos limites, com um crescimento horizontal zero. As Comunidades do Alto da Boa Vista, sem exceção, mantiveram-se sem expansão, e algumas, como o Vale Encantado e Mata Machado, diminuíram no período. As áreas reflorestadas nas encostas do Dois Irmãos e no entorno das Favelas do Alto são maiores que toda a área historicamente ocupada. Fato significativo é que estes projetos foram executados pelos próprios moradores com a ajuda de técnicos. O saldo é flagrante na paisagem comparada entre os períodos. Veja os estudos do IPP e do ITERJ, órgãos que realmente entendem do assunto ou, simplesmente compare as fotografias disponíveis.

A semana de terrorismo jornalístico iniciada pelo jornal "O Globo" e fechada pela reportagem da "Revista Veja", que chama a favela de "monstruosidade", onde mostra uma simulação gráfica que projeta uma enorme favela fantasiosa sobre a encosta, são fasistóides, jornalismo barato, gerando medo irracional e fuga absoluta da realidade. Falar em "Junção de Comunidades", de "remoção em massa", de "tropas de elite ecológicas" demonstra amadorismo técnico, desconhecimento das leis e não entendimento da democracia. Ou pior, muito pior. Plantar mentiras cheias de intenções.
A lenda urbana é alimentada pela falta de ética profissional jornalística, já que não ouvem os moradores das favelas, apenas os cruzados do MP ( Meio ambiente) e baseia-se em um curioso, de um observatório qualquer. Não consideram a história das comunidades, não atentam para as teses e publicações anteriores, para os Institutos e Universidades e ainda utilizam raciocínios absurdos que não deveriam ser levados á sério. Muito menos, publicados.
A verdade é que os "guardiões do verde", que atacam com super objetivas de seus helicópteros, estão levando suas mentiras a serem defendidas pela classe média acuada e desinformada. E sempre de longe da realidade, de muito longe, legitimam o avanço da especulação imobiliária, que tenta expulsar o pobre para construir seus condomínios.
Apenas para estimular nossa memória, lembro que no fim da década de noventa, o empresário Antonio Galdeano queria construir um complexo com torres, hotéis e condomínios nas encostas do Dois Irmãos. Usava a mesma simulação de imagem da Veja desta semana para tentar convencer os Vereadores a aceitar sua proposta. Venceu a idéia do Parque público. A encosta não virou favela, foi reflorestada, e a Chácara do Céu continua do mesmo tamanho. O que ouve foi a verticalização, que faz as casas ficarem visíveis e criarem a impressão de que não estavam ali antes.
No Alto da Boa Vista as Comunidades são históricas. Centenárias. Mas estão no caminho dos condomínios. Vejam o exemplo da Comunidade de Fazenda. Construída em torno de uma casa grande e de uma senzala que ainda estão lá para testemunharem os seus mais de cem anos de história. Os moradores desenvolvem projetos ambientais em parceria com o Instituto Terra Azul, o Parque Nacional, o Ibase e até a Petrobrás. Respeitam todos os ecos-limites e articulam até um canteiro de mudas para o reflorestamento. São zeladores do parque das Furnas, que a muito foi abandonado pela pelo poder público. Espaço de rara importância geológica, que foi estudado pelo suíço, Louis Agassiz em 1820, além de abrigar os governantes do Rio de Janeiro em 1711, quando da segunda invasão francesa na cidade. Eles são os responsáveis diretos pela preservação e não criminosos ambientais. Ouçam o Diretor do Parque Nacional da Tijuca, Ricardo Calmon, a Presidente do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro, Célia Ravera ou o Sub-Procurador Geral de Justiça do Ministério Público Estadual, Dr. Leonardo Chaves. Estes visitaram várias vezes as Comunidades. Não temeram a proximidade da verdade. Não estão presos em pedestais de poder.
Mas a verdade também tem várias facetas. Tramita na Câmara dos Vereadores o Projeto de Lei nº1307/2003 que muda inteiramente o decreto de 1992 que instituiu a área de Proteção e Recuperação Urbana do Alto da Boa Vista e passa a permitir, entre outras atrocidades, a construção de Condomínios nas encostas. Os lote mínimo passa de 10.000 M² para 360M². Isso sim um crime sem precedentes. Somente o condomínio do Itanhangá, desmatou em 10 anos uma área superior a todas as comunidades do bairro em um século de ocupação. Isto é verdade.
Um estudo sério mostrará facilmente que os mais ricos e suas empresas, ocuparam mais encostas, derrubaram mais árvores, invadiram áreas ambientais e de marinha, poluíram as lagoas e os rios, numa escala muito maior que as favelas.
O fato é que o ataque é focado nas favelas situadas em áreas valorizadas que estão no caminho da expansão imobiliária. Alto da Boa Vista, Itanhangá, Vargens, Canal do Anil, Chácara do céu, Parque da Cidade. São sintomas de segregação social, de intolerância, de discriminação. È a criminalização ambiental da pobreza. O velhíssimo bode na sala.
O México entregou um milhão de casas subsidiadas para os mais pobres em 2007. Deveríamos estar envergonhados. No Brasil não existe vez para a classe trabalhadora no nosso sistema imobiliário. As iniciativas como Nova Sepetiba foram enganosas. Hoje seus moradores estão abandonados a 60 KM do local de trabalho, sem transporte adequado, sem hospital, sem segurança, sem saneamento e a mercê da guerra entre milícias e traficantes.
A Favela também é cidade. Deve ser regularizada e urbanizada. Os jovens devem ser incluídos, a cidadania deve subir o morro, juntamente com as oportunidades, o banco, o supermercado, o teatro, a escola de qualidade, o médico e a polícia. Todos sabem disso. As soluções apresentadas pelos oportunistas de plantão, que pregam o fim das favelas é puro escapismo. A favela é uma realidade mundial. Resultado de tanta desigualdade. O que esperam de um país com a nossa divisão de renda, uma das piores do mundo?
Aos poderes institucionais o trabalhador não tem acesso, a não ser por raros representantes que, com crescente dose de dificuldades, consigam escapar do domínio e dos efeitos da mídia e do marketing político. A televisão, o Jornal, a revista e o rádio, apropriados pelo capital, cumprem, em seu espaço social absoluto, o antigo papel dos coronéis, exercendo, como registra o sociólogo francês Pierre Bourdieu, "perniciosa forma de violência simbólica". Quando a mentira é repetida seguidamente tende a virar verdade. Então nascem as grandes injustiças, as covardias e os crimes sociais.
As mães da favela não são fábricas de marginais. Geram e criam brasileiros. Os favelados são Cariocas como qualquer outro morador de Ipanema ou Bangu. A Chácara do Céu não está crescendo para dentro da floresta replantada por seus moradores. As Comunidades do Alto não irão se juntar. São fábulas urbanas contadas por Raposas Falantes.

"Viver para temer uma cidade. O medo não é o melhor conselheiro."

Parque da Catacumba - Cemitério da Cidadania



Sobre a crônica de Fernanda Torres para a Veja Rio de 11/06/08


" O que é a cidade, senão o seu povo? "
Willian Shakespear


Roberto Maggessi


"A remoção da favela da Catacumba foi uma tragédia." Essa é a opinião de Flávio Pinheiro, um dos melhores jornalista do país, editor-chefe do Estadão, idealizador e fundador da Veja Rio. E completa:
"A favela só é reconhecida na cidade com uma presença estatística, uma mancha na paisagem. Mas é muito mais do que isso. Ninguém sabe direito o que se passa nela e o que se passou. A memória é uma distinção de identidade, uma fonte de afetividade por mais dolorosa que possa ser (e não é só dolorosa, registre-se), uma singularidade. Há relatos comoventes nos registros de veteranos moradores nas fitas gravadas (e transcritas) do projeto de remoção. Memória de um crime social sem precedentes."
Segundo arquivos da Biblioteca Nacional, o terreno onde existia a Catacumba foi ocupado por uma chácara durante todo século 19. Sua antiga proprietária, a Baronesa da Lagoa, transferiu a posse das terras para seus escravos. Ali montaram um Quilombo. Por volta de 1925, o Estado dividiu a Chácara das Catacumbas em 32 lotes. Os primeiros barracos da futura favela começaram a ser erguidos ainda nos anos 30. Portanto, eram legítimos proprietários. Com o tempo, o ex-escravo foi virando novo pobre, e as terras da baronesa foram virando favela. O fato é que em 1970 o governo decidiu que os amigos da baronesa eram pobres demais para terem o privilégio da vista para a lagoa. Passou o rodo na área.( Limpeza Social ). Mandou o povo para casa do cassete e enfeitou aquele canto da lagoa com prédios de luxo e um grande "playground" arborizado e triste.

O plano de trocar as casas da lagoa pelas casas na casa do cassete parecia perfeito. Remover (como um tumor) os moradores e colocá-los em conjuntos habitacionais construídos na zona Oeste, que na época era um total vazio. Batizar com um nome bonito (Cidade de Deus) Golpe de mestre! Só faltou lembrar de um detalhe: Para viver, aquelas pessoas precisavam mais do que casas; precisavam de trabalho, o que obviamente não existia na área da casa do cassete – assim como também não existia infra-estrutura para que a região prosperasse, nem transporte para trazer os trabalhadores até seus antigos empregos na zona Sul. Aí o resultado: Cidade de Deus virou um dos maiores desastres sociais do Rio de Janeiro e um dos maiores quartéis do tráfico de drogas. Mas não importa. Para as Fernandas basta a distância, não a realidade.

Vejam o relato de D. Maria Dolores, 85 anos, sobre a Cidade de Deus da época:
"Não existia posto de saúde, iam todos para o Miguel Couto ( esqueceram de remover o hospital) e para o Hospital Cardoso Fontes. Várias vezes tive de sair de madrugada com o meu filho nas costas, pedindo carona para leva-lo para a Praça Seca. Foi duro naquela época. Antigamente, na cozinha, colocava o fogão não podia colocar a geladeira. Moravam na casa oito pessoas. Eu e meus filhos, mais dois de criação. O banheiro era um pequeno quadrado que se juntava à cozinha e, na frente, tinha uma pequena sala. A promessa sobre o local era grande, mas ao chegar vi que não era nada do que prometeram. Vivíamos no escuro e a rua era barro puro. Lá para baixo (perto da praça central da Cidade de Deus) era barro até o joelho. A distância para ir trabalhar quando vim morar na Cidade de Deus era muito grande. Simplesmente não tinha condução. Só passava, na época, o cata mendigo, como o pessoal chamava. Passava um de manhã e outro à noite, levando e recolhendo os moradores que trabalhavam."
Lembro de Pedro Mico, de Antônio Callado, malandro carioca, negro e bem humorado, protagonista da primeira peça teatral a utilizar uma favela como cenário, o Morro da Catacumba, em meados dos anos cinqüenta. A genialidade do autor e a sensibilidade para o assunto, qualidade rara nos que tentam escrever hoje, é revelante.
No texto, o autor faz um paralelo da vida do protagonista com a trajetória de Zumbi dos Palmares. Em certo momento da peça, a namorada de Pedro Mico, a prostituta Aparecida, sugere a ele que, assim como Zumbi, lidere uma invasão dos moradores do morro ao asfalto. A idéia seria tomar casas da classe média da Lagoa, bairro vizinho à favela, para antecipar-se a tentativa destes em destruir a favela. Quilombo urbano. Reação social.
Não vou sequer entrar nos detalhes macabros dos incêndios criminosos, da prisão de lideres comunitários na Ilha Grande, dos assassinatos, do pagamento de propina pelos especuladores imobiliários as autoridades, de Dona Sandra Cavalcante e seu conluio com as forças da ditadura, entre tantas barbaridades, dignas de crime contra a humanidade.
O pior, muito pior, é que esta estratégia criminosa não cessou. A campanha "Ilegal, e daí?" (que começou mostrando pequenas bandalhas da classe média, como ocupação de calçadas por restaurantes e acabou se concentrando no ataque as favelas) adota um viés legalista. Mas o problema não se resume à questão de obedecer ou não à lei. O buraco é muito mais embaixo. Elio Gaspari cita uma frase atribuída ao embaixador Otávio Dias Carneiro, que refaz a pontaria e recoloca a questão numa dimensão mais adequada: "Favela não é problema, favela é solução. Problema é falta de moradia."
Porém, as Fernandas compram o barulho dos especuladores que continuam achando que o pobre carioca não pode morar no Leme, no Horto ou no Alto da Boa Vista. Criaram a criminalização ambiental da pobreza, para legitimar a retirada das comunidades das áreas valorizadas e a abertura de caminhos para os condomínios de luxo. Nada mudou. Tiraram a Praia do Pinto para fazer a Selva de Pedra. Dentro da lógica. O rico pode invadir, desmatar, poluir, grilar, especular, vender...O pobre não pode morar. Legitimidade herdada do Brasil-Colônia com carimbo da ditadura.
Mas o medo do convívio com o diferente sempre fala mais alto. E, com uma retórica de que é necessário dar melhores condições de vida aos favelados, criaram-se os planos de remoção de favela que, como todos sabemos bem, não passam de uma política disfarçada de apartheid social. O resultado desta política está aí para quem tem sensibilidade para ver.Volto a Elio Gaspari para tentar convencer as Fernandas do retorno aos teatros. Em seu artigo "Favelofobia, um veneno social", ele ataca essa fobia da elite pela pobreza que a cerca. Diz o artigo com flagrante clareza e sabedoria: "Esses dois pedaços do Brasil precisam descobrir uma forma de convivência sem a premissa da eliminação do outro. Parece sonho, mas é melhor que pesadelo." E conclui com maestria. "O Brasil segregado, além de chato e inviável, não é uma fatalidade social. É apenas um anacronismo do atraso fantasiado de moderno. Entendeu agora, Fernanda?


Para abrilhantar sugiro:
Celebridades Palpiteiras – Furio Lonza
http://super.abril.uol.com.br/superarquivo/2004/conteudo_125202.shtml