segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Um ano do Pan - Olimpíada, Copa do Mundo, Mentiras e Segregação Social


"Jogos para os ricos, rua para os pobres."

Ao usar o dinheiro do F.A.T. para financiar a construção dos prédios da Vila do Pan e depois usar mais dinheiro do trabalhador para alugar estes mesmos prédios por uma quantia astronômica o Governo não cometeu seu pior pecado. É bom frisar que todos os apartamentos da vila já foram vendidos para os investidores do mercado imobiliário. Após mais de um ano nenhum apartamento foi ocupado. Pura especulação.
O mais grave é usar dinheiro do Fundo do Amparo ao Trabalhador para remover comunidades de trabalhadores, como ocorreu na Comunidade remanescente de pescadores no Canal do Anil. Uma roda viva com o dinheiro do FAT que além de não beneficiar o trabalhador massacra o seu direito constitucional à moradia.
É flagrante que a Comunidade do Canal do Anil está, literalmente, cercada por terras onde estão previstos novos empreendimentos imobiliários. O projeto da Rodovia Via Parque visa, prioritariamente, criar acessos para estes terrenos e a retirada da comunidade tem o claro objetivo de limpeza social para valorizar os empreendimentos. Já que, á olhos amadores, é possível ver que pode-se construir a rodovia sem necessidade de remover a comunidade. Afastada também a hipótese de risco, segundo laudo do Iterj, perde legitimidade estas "desculpas" para segregar.
Empurrados, então, pelo pretexto do progresso, pela ganância e pelo espírito fascista, este "grupo" formado pela Prefeitura e os representantes da especulação imobiliária em todos os níveis, apoiados financeiramente pelo Governo Federal e, em silêncio covarde pelo estadual, usam métodos de grileiros, com ameaças, coação, pressão para obrigar as pessoas assustadas e fragilizadas, a assinarem papéis dentro de salas fechadas, em que abrem mão de seus direitos instituídos ou declaram-se moradoras de área de risco.
E o método não assusta mais que os valores propostos nesta cruel negociação. São três milhões de Reais para mais de 500 famílias. Média de seis mil reais por residência. Com este valor não se compra sequer um barraco em outra favela. Jogando estas pessoas para inchar outras comunidades da região, sem resolver verdadeiramente o problema, apenas transferindo-o para longe das áreas de interesse especulativo.
O que devemos condenar é, em primeiro lugar, a metodologia aplicada. Contraria diretamente o Estatuto das Cidades e a Lei Orgânica do Município, que não deixa dúvidas sobre os procedimentos em caso de intenção de remoção de Comunidade em seu Art. 429. A Comunidade foi imediatamente a justiça, amparada pela Defensoria Pública do Núcle de Terras, contra este método ilegítimo, conseguindo liminar histórica, expedida pelo Juiz Afonso Henrique Ferreira Barbosa, da 2ª Vara de Fazenda da Capital, proibindo qualquer remoção no Canal do Anil.
Enfim, as manifestações populares irão mostrar que o caminho tomado pelas autoridades em relação às comunidades carentes em áreas valorizadas leva para claros conflitos abertos, protestos e denúncias à opinião pública mundial que o Brasil não cumpre as leis vigentes e nem os tratados internacionais de diretos humanos em relação a moradia. Que existe um apartheid social em curso na cidade.
A Comunidade deve, pois, para fugir destas armadilhas, resistir com unhas e dentes a qualquer tentativa de remoção, como fez a um ano, com o apoio das Comunidades do Alto da Boa Vista, do Horto e de Jacarepaguá, quando expulsaram os demolidores e seus cúmplices. Já que a pressa em retirar as comunidades vai de encontro ao não cumprimento de várias outras metas urbanísticas planejadas, (como a construção da linha 4 do metrô, estações de tratamento, obras de infra-estrutura, etc.) o que demonstra segundas intenções no que diz respeito a pequena área ocupada pela Comunidade.
Outra sugestão é convocar técnicos, arquitetos e engenheiros, para montarem opções que preservem o direito legítimo de moradia da Comunidade. Já que a única proposta aceitável é a urbanização da mesma.
O legado do Pan para o trabalhador foi apenas de caveirões, armas, viaturas, helicópteros, para serem usados contra o próprio trabalhador. Não teve melhorias em transporte , saneamento, moradia, novas escolas. Apenas usaram o seu dinheiro para enriquecer os especuladores e para destruírem o seu lar, distorcendo covardemente a finalidade do FAT. Isto é crime. E crime bárbaro.


“E vem aí a Copa do Mundo.”

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Patrimônio Desumanizado













"A especulação imobiliária quer, a qualquer custo social, preservar para elites”

Artigo publicado no Jornal “O Globo” – Opinião – Jan - 2008


A Floresta da Tijuca foi certificada pela Unesco como reserva da biosfera, ou seja, um patrimônio do mundo, do planeta. Infelizmente, os cariocas, especialmente os moradores do Alto da Boa Vista, acompanham há mais de dez anos as tentativas da prefeitura do Rio de Janeiro de Municipalizar o Parque Nacional da Tijuca, em vez fomentar a gestão compartilhada com o Ibama. Este comportamento gera um grave conflito de responsabilidade.

Recentemente, o Ministério Público Estadual, sem nem ao menos contactar as comunidades da região, acusou várias famílias de estarem cometendo crime ambiental e ameaçou removê-las. Se o Ministério Público as tivesse procurado para saber o que realmente estava acontecendo, antes de desqualificar e rotular essas pessoas como criminosas, certamente estaria voltando suas forças para o que realmente interessa, e não para gente humilde que reside legitimamente no pedacinho em que nasceram e aprenderam a amar.

O Alto da Boa Vista tem História e isso não pode ser ignorado por nenhuma administração, nem pela Justiça e nem pela mídia. Pelo contrário, deveriam saber que em uma comunidade chamada Açude reside uma única família há mais de 80 anos, sempre no mesmo espaço e em casas simples. Nas fotos da década de 40 vemos o sr. Francisco de Freitas, capataz e chefe da guarda florestal, que foi morar ali por também ser cantoneiro, ou seja, guardião das fronteiras da Floresta. Em todos esses anos as casas que foram construídas nunca ultrapassaram os limites do terreno que lhes foi confiado.

Outra comunidade que foi ameaçada de remoção é a Fazenda, que guarda uma casa grande e uma senzala, patrimônios que testemunham mais de 100 anos de história. Durante décadas, uma indústria de papel desativada nos anos 70 formou ali uma espécie de vila operária. A partir desta data, os moradores agregaram-se em uma associação e desenvolvem projetos ambientais. Os ecolimites são respeitados á risca. Além disso, convivem e cuidam do Parque das Furnas, espaço de rara importância geológica, que foi estudado pelo suíço Louis Agassiz em 1820. Foi lá também que residiram os governantes do Rio de Janeiro em 1711, durante a segunda invasão francesa, e onde foi construído um altar para a realização de missas pelo bispo refugiado. Por conta disso, o local foi batizado de Pedras Santas.

Todos os moradores do Alto da Boa Vista têm uma referência antiga e também uma história de descaso. O projeto Favela-Bairro, que é tido como modelo pela prefeitura, seria implementado na comunidade de Mata Machado. Ele previa a construção de creche, escola, estação de tratamento de esgoto, parques e praças, água encanada, entre outras melhorias. Apesar de o projeto ter sido iniciado oficialmente, com direito a placa (que ainda está no local) e tudo o mais, apenas o calçamento foi feito. O restante da obra não andou. Nunca ouve uma creche, escola nova ou praça. O esgoto é jogado diretamente no Rio Gávea Pequena e a água encanada nunca chegou às torneiras. O mesmo ocorre no projeto Bairrinho de Tijuaçu. Apesar de contar com uma estação de tratamento, na verdade, o que está sendo instalado pela prefeitura é um imenso tubo para jogar todo o esgoto da comunidade no Rio Cachoeira.

Por ironia do destino, no início deste ano o Conselho de Cidadania do Alto da Boa Vista, formado por essas comunidades, apresentou ao Ministério Público Estadual um dossiê com provas de omissão e de mau uso do dinheiro público e solicitou uma intervenção para obrigar a prefeitura a concluir as obras. Este documento foi parar nas mãos da promotora dra. Rosani Cunha, que sequer respondeu aos moradores e é a mesma que agora solicita as remoções.

Creio, dra Rosani, Ilmo. sr. prefeito Cesar Maia, vereadores, Ibama, universidades, que deveríamos estar, junto com toda a sociedade, inclusive com as comunidades do Alto da Boa Vista, em busca de uma política urgente e eficaz para a questão da moradia popular nas áreas de proteção ambiental, implementando a regularização fundiária nas comunidades, investindo em infra-estrutura básica, enfim, comprometidos com atitudes que incorporam as favelas à cidade, transformando o marginalizado em cidadão. Fazer diferente disso é rasgar a Constituição, o Estatuto das Cidades e a Lei Orgânica do Município.