sábado, 27 de dezembro de 2008

Barra da Tijuca - O Plano Lucio Costa e o Monstro Urbano do Capital Especulativo


"A força da grana que ergue e destrói coisas belas”
Caetano Veloso

Ao elaborar o Plano Piloto para Urbanização da Barra da Tijuca, Pontal de Sernambetiba e de Jacarepaguá, no finzinho dos anos 60 e início dos 70, Lúcio Costa propunha para o bairro da Barra da Tijuca uma nova forma de organização do espaço: o crescimento urbano aliado às questões ambientais, preservação de seus ecossistemas: mangue, restinga e mata atlântica. Mas a expansão urbana e a valorização do bairro fizeram com que as questões ambientais fossem totalmente desconsideradas.
O que viabilizou a elaboração do Plano Piloto foi que, até então, o uso do solo era rarefeito, a região era uma área plana, ideal para a execução dos princípios do urbanismo modernista racionalista e porque a área se manteve livre da ocupação urbana da cidade do Rio de Janeiro, cercada entre dois maciços, preservando suas belezas naturais e mantendo seus ecossistemas quase intocado, até o início da ocupação.
Tal plano pretendia estabelecer critérios para a urbanização da região e, através da ordenação espacial, propunha conciliar a urbanização e a preservação do meio ambiente. Por isso, o Plano Lúcio Costa possuía um caráter flexível. A ocupação da área gradativamente possibilitaria a análise dos projetos de edificações das áreas, caso a caso, sem deixar de lado a preocupação com a natureza.
Também não se pretendia criar áreas de segregação, mas sim desenvolver a região para todas as camadas da população, ao contrário do que acontecia no restante da cidade do Rio de Janeiro. Manter as colônias de pescadores, os moradores históricos, além de reservar áreas para a criação de casas populares. Porém a atuação dos agentes transformadores (leia-se os atores envolvidos no processo de construção do espaço urbano: o grande capital imobiliário, que engloba as empresas construtoras, os promotores imobiliários e os corretores de imóveis e a conivência comprometedora das esferas governamentais) contribuiu efetivamente para que a Barra da Tijuca se tornasse uma área destinada a uma classe média privilegiada, excluindo as camadas mais baixas da população. Com isso criou-se um estereótipo para a Barra da Tijuca como sendo um lugar de emergente, mas com uma conotação negativa, pois não havia, e não há, projetos de moradia que beneficie classes mais baixas, dando respaldo de opinião para iniciar o processo criminoso de limpeza social, que hoje avança com seu Aparteid em direção a Jacarepaguá, Itanhangá, Recreio e Vargens.
O Plano como instrumento de ordenação da ocupação urbana na Barra da Tijuca gerou conflitos entre os agentes responsáveis pela produção do espaço urbano. A influência desses agentes aliados à inexistência de um respaldo jurídico em relação à importância e obrigação da preservação dos ecossistemas, foi decisiva para a não realização do projeto de Lúcio Costa, principalmente sobre esse ponto de vista. Seu modelo não foi seguido e o processo de construção e expansão da Barra da Tijuca foi modificado desconsiderando a dinâmica dos ambientes costeiros. A degradação do mesmo, associada a outros problemas, contribuiu para que muito fosse modificado em relação ao plano original.
A “contribuição” dos agentes imobiliários foi agregar valor de troca ao solo do bairro, principalmente através do chamado “marketing ecológico”, vendendo, não só seus imóveis mais a paisagem da natureza e um “novo estilo de vida”. Venderam o que destruíram. Eles se apropriaram dos ideais de Lúcio Costa, no que diz respeito a “paisagem agreste que importa preservar” para vender seus empreendimentos, sem se preocuparem de fato com o meio ambiente, as lagoas, dunas, mangue etc., que chamavam de amenidades naturais da região. Agora vendem a imagem da preservação e do reflorestamento. A mentira construída ao lado da gigantesca fossa que ainda chamam de lagoa.
Outro ator que contribuiu bastante foi o Estado, permitindo que a legislação fosse ajustada ao interesse desse grande capital imobiliário privado. Mais gravemente, o Estado até hoje não instalou a infra-estrutura necessária para a ocupação do bairro. Essa “briga” por saneamento básico na Barra data do início da década de 80, com a proposta de construção do emissário da discórdia e até hoje não teve fim; o emissário ainda não funciona plenamente e já está superado e obsoleto. É preciso conciliar com outras propostas, mas nenhuma consegue ser mais rápida que as máquinas da ganância dos especuladores.
Com relação ao sistema costeiro do bairro, quase tudo foi alterado ou até mesmo destruído. Lúcio Costa previu a preservação total da restinga. Com a chegada da ocupação urbana, houve a construção de aterros irregulares nas bordas das lagoas, desmatamento, construção de canais artificiais e retilínezação de outros e com o aumento demográfico, ocorreu o aumento da concentração de matéria orgânica nas lagoas. Os condomínios Barramares e Atlântico Sul, foram os pioneiros a desrespeitar o Plano abrindo precedentes para todas as construções hoje existentes na orla. O famoso corredor de sombras sobre a praia.
Apesar dos inúmeros decretos e leis para a ordenação do espaço da Barra da Tijuca, na prática os agentes privados da produção do espaço urbano ( especuladores ) sempre conseguiram aprovar empreendimentos fora dos padrões estabelecidos no plano, através de brechas criadas nas legislações de uso do solo, em cada época, ou simplesmente ignorando as leis, desvirtuando assim toda a característica pensada para o espaço urbano da Barra da Tijuca.
O Estado, ONGs, Universidades e a sociedade civil organizada discutem o futuro do Plano Piloto e a importância da conservação da natureza e principalmente dos sistemas lagunares na Barra da Tijuca. Contudo, o que se observa na prática, fora da “fórmula de velho oeste”(Grilar, expulsar o pobre para longe, construir irregularmente, destruir o meio ambiente, anunciar como paraíso e vender caro, muito caro) é que muito pouco, ou nada, foi feito ao longo dos mais de 30 anos de ocupação urbana no bairro.
Hoje a Barra vive um caos no trânsito nas horas de pico. Partes do Bairro fedem a esgoto. A Lagoa está morta. Até a “Saveia”, peixe que os pescadores desprezam, sumiu. A praia está praticamente comprometida com a alta taxa de poluição, as dunas desapareceram da paisagem, a suposta segurança que seria conquistada com limpeza social, não aconteceu, o metrô não chegou, nem a barca, ou o VLT. As estações de tratamento do PAN não sairam do papel. Carregamos nos ombros o estigma do atraso. O estatuto da Cidades não foi sequer considerado por aqui. Somos a única capital brasileira sem um plano diretor atualizado, ainda é o mesmo de 1992 e a seis anos passados de sua data limite de revisão. Mas a especulação avança cheia de tentáculos, como um grande monstro, livre de inimigos preocupantes, financiando campanhas dos amigos do peito, arrancando da paisagem o pouquinho que ainda nos lembra o sonho de Lúcio Costa.

O futuro? Perguntem ao Paes. Ele foi um Sub-Cesar que dirigiu tratores nesta triste história. A partir de Janeiro ele será Imperador.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Um ano do Pan - Olimpíada, Copa do Mundo, Mentiras e Segregação Social


"Jogos para os ricos, rua para os pobres."

Ao usar o dinheiro do F.A.T. para financiar a construção dos prédios da Vila do Pan e depois usar mais dinheiro do trabalhador para alugar estes mesmos prédios por uma quantia astronômica o Governo não cometeu seu pior pecado. É bom frisar que todos os apartamentos da vila já foram vendidos para os investidores do mercado imobiliário. Após mais de um ano nenhum apartamento foi ocupado. Pura especulação.
O mais grave é usar dinheiro do Fundo do Amparo ao Trabalhador para remover comunidades de trabalhadores, como ocorreu na Comunidade remanescente de pescadores no Canal do Anil. Uma roda viva com o dinheiro do FAT que além de não beneficiar o trabalhador massacra o seu direito constitucional à moradia.
É flagrante que a Comunidade do Canal do Anil está, literalmente, cercada por terras onde estão previstos novos empreendimentos imobiliários. O projeto da Rodovia Via Parque visa, prioritariamente, criar acessos para estes terrenos e a retirada da comunidade tem o claro objetivo de limpeza social para valorizar os empreendimentos. Já que, á olhos amadores, é possível ver que pode-se construir a rodovia sem necessidade de remover a comunidade. Afastada também a hipótese de risco, segundo laudo do Iterj, perde legitimidade estas "desculpas" para segregar.
Empurrados, então, pelo pretexto do progresso, pela ganância e pelo espírito fascista, este "grupo" formado pela Prefeitura e os representantes da especulação imobiliária em todos os níveis, apoiados financeiramente pelo Governo Federal e, em silêncio covarde pelo estadual, usam métodos de grileiros, com ameaças, coação, pressão para obrigar as pessoas assustadas e fragilizadas, a assinarem papéis dentro de salas fechadas, em que abrem mão de seus direitos instituídos ou declaram-se moradoras de área de risco.
E o método não assusta mais que os valores propostos nesta cruel negociação. São três milhões de Reais para mais de 500 famílias. Média de seis mil reais por residência. Com este valor não se compra sequer um barraco em outra favela. Jogando estas pessoas para inchar outras comunidades da região, sem resolver verdadeiramente o problema, apenas transferindo-o para longe das áreas de interesse especulativo.
O que devemos condenar é, em primeiro lugar, a metodologia aplicada. Contraria diretamente o Estatuto das Cidades e a Lei Orgânica do Município, que não deixa dúvidas sobre os procedimentos em caso de intenção de remoção de Comunidade em seu Art. 429. A Comunidade foi imediatamente a justiça, amparada pela Defensoria Pública do Núcle de Terras, contra este método ilegítimo, conseguindo liminar histórica, expedida pelo Juiz Afonso Henrique Ferreira Barbosa, da 2ª Vara de Fazenda da Capital, proibindo qualquer remoção no Canal do Anil.
Enfim, as manifestações populares irão mostrar que o caminho tomado pelas autoridades em relação às comunidades carentes em áreas valorizadas leva para claros conflitos abertos, protestos e denúncias à opinião pública mundial que o Brasil não cumpre as leis vigentes e nem os tratados internacionais de diretos humanos em relação a moradia. Que existe um apartheid social em curso na cidade.
A Comunidade deve, pois, para fugir destas armadilhas, resistir com unhas e dentes a qualquer tentativa de remoção, como fez a um ano, com o apoio das Comunidades do Alto da Boa Vista, do Horto e de Jacarepaguá, quando expulsaram os demolidores e seus cúmplices. Já que a pressa em retirar as comunidades vai de encontro ao não cumprimento de várias outras metas urbanísticas planejadas, (como a construção da linha 4 do metrô, estações de tratamento, obras de infra-estrutura, etc.) o que demonstra segundas intenções no que diz respeito a pequena área ocupada pela Comunidade.
Outra sugestão é convocar técnicos, arquitetos e engenheiros, para montarem opções que preservem o direito legítimo de moradia da Comunidade. Já que a única proposta aceitável é a urbanização da mesma.
O legado do Pan para o trabalhador foi apenas de caveirões, armas, viaturas, helicópteros, para serem usados contra o próprio trabalhador. Não teve melhorias em transporte , saneamento, moradia, novas escolas. Apenas usaram o seu dinheiro para enriquecer os especuladores e para destruírem o seu lar, distorcendo covardemente a finalidade do FAT. Isto é crime. E crime bárbaro.


“E vem aí a Copa do Mundo.”

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Patrimônio Desumanizado













"A especulação imobiliária quer, a qualquer custo social, preservar para elites”

Artigo publicado no Jornal “O Globo” – Opinião – Jan - 2008


A Floresta da Tijuca foi certificada pela Unesco como reserva da biosfera, ou seja, um patrimônio do mundo, do planeta. Infelizmente, os cariocas, especialmente os moradores do Alto da Boa Vista, acompanham há mais de dez anos as tentativas da prefeitura do Rio de Janeiro de Municipalizar o Parque Nacional da Tijuca, em vez fomentar a gestão compartilhada com o Ibama. Este comportamento gera um grave conflito de responsabilidade.

Recentemente, o Ministério Público Estadual, sem nem ao menos contactar as comunidades da região, acusou várias famílias de estarem cometendo crime ambiental e ameaçou removê-las. Se o Ministério Público as tivesse procurado para saber o que realmente estava acontecendo, antes de desqualificar e rotular essas pessoas como criminosas, certamente estaria voltando suas forças para o que realmente interessa, e não para gente humilde que reside legitimamente no pedacinho em que nasceram e aprenderam a amar.

O Alto da Boa Vista tem História e isso não pode ser ignorado por nenhuma administração, nem pela Justiça e nem pela mídia. Pelo contrário, deveriam saber que em uma comunidade chamada Açude reside uma única família há mais de 80 anos, sempre no mesmo espaço e em casas simples. Nas fotos da década de 40 vemos o sr. Francisco de Freitas, capataz e chefe da guarda florestal, que foi morar ali por também ser cantoneiro, ou seja, guardião das fronteiras da Floresta. Em todos esses anos as casas que foram construídas nunca ultrapassaram os limites do terreno que lhes foi confiado.

Outra comunidade que foi ameaçada de remoção é a Fazenda, que guarda uma casa grande e uma senzala, patrimônios que testemunham mais de 100 anos de história. Durante décadas, uma indústria de papel desativada nos anos 70 formou ali uma espécie de vila operária. A partir desta data, os moradores agregaram-se em uma associação e desenvolvem projetos ambientais. Os ecolimites são respeitados á risca. Além disso, convivem e cuidam do Parque das Furnas, espaço de rara importância geológica, que foi estudado pelo suíço Louis Agassiz em 1820. Foi lá também que residiram os governantes do Rio de Janeiro em 1711, durante a segunda invasão francesa, e onde foi construído um altar para a realização de missas pelo bispo refugiado. Por conta disso, o local foi batizado de Pedras Santas.

Todos os moradores do Alto da Boa Vista têm uma referência antiga e também uma história de descaso. O projeto Favela-Bairro, que é tido como modelo pela prefeitura, seria implementado na comunidade de Mata Machado. Ele previa a construção de creche, escola, estação de tratamento de esgoto, parques e praças, água encanada, entre outras melhorias. Apesar de o projeto ter sido iniciado oficialmente, com direito a placa (que ainda está no local) e tudo o mais, apenas o calçamento foi feito. O restante da obra não andou. Nunca ouve uma creche, escola nova ou praça. O esgoto é jogado diretamente no Rio Gávea Pequena e a água encanada nunca chegou às torneiras. O mesmo ocorre no projeto Bairrinho de Tijuaçu. Apesar de contar com uma estação de tratamento, na verdade, o que está sendo instalado pela prefeitura é um imenso tubo para jogar todo o esgoto da comunidade no Rio Cachoeira.

Por ironia do destino, no início deste ano o Conselho de Cidadania do Alto da Boa Vista, formado por essas comunidades, apresentou ao Ministério Público Estadual um dossiê com provas de omissão e de mau uso do dinheiro público e solicitou uma intervenção para obrigar a prefeitura a concluir as obras. Este documento foi parar nas mãos da promotora dra. Rosani Cunha, que sequer respondeu aos moradores e é a mesma que agora solicita as remoções.

Creio, dra Rosani, Ilmo. sr. prefeito Cesar Maia, vereadores, Ibama, universidades, que deveríamos estar, junto com toda a sociedade, inclusive com as comunidades do Alto da Boa Vista, em busca de uma política urgente e eficaz para a questão da moradia popular nas áreas de proteção ambiental, implementando a regularização fundiária nas comunidades, investindo em infra-estrutura básica, enfim, comprometidos com atitudes que incorporam as favelas à cidade, transformando o marginalizado em cidadão. Fazer diferente disso é rasgar a Constituição, o Estatuto das Cidades e a Lei Orgânica do Município.

domingo, 22 de junho de 2008

Chácara do Céu, Alto da Boa Vista e outras Lendas Urbanas. O pobre no caminho da expansão imobiliária.


"Pregue mentiras em série para tentar criar a verdade que lhe interessa."


Direto ao assunto. A Comunidade da Chácara do Céu, nas encostas do Dois Irmãos, ocupava em 1999 uma área de 21. 353,96 m², hoje se mantém exatamente nos mesmos limites, com um crescimento horizontal zero. As Comunidades do Alto da Boa Vista, sem exceção, mantiveram-se sem expansão, e algumas, como o Vale Encantado e Mata Machado, diminuíram no período. As áreas reflorestadas nas encostas do Dois Irmãos e no entorno das Favelas do Alto são maiores que toda a área historicamente ocupada. Fato significativo é que estes projetos foram executados pelos próprios moradores com a ajuda de técnicos. O saldo é flagrante na paisagem comparada entre os períodos. Veja os estudos do IPP e do ITERJ, órgãos que realmente entendem do assunto ou, simplesmente compare as fotografias disponíveis.

A semana de terrorismo jornalístico iniciada pelo jornal "O Globo" e fechada pela reportagem da "Revista Veja", que chama a favela de "monstruosidade", onde mostra uma simulação gráfica que projeta uma enorme favela fantasiosa sobre a encosta, são fasistóides, jornalismo barato, gerando medo irracional e fuga absoluta da realidade. Falar em "Junção de Comunidades", de "remoção em massa", de "tropas de elite ecológicas" demonstra amadorismo técnico, desconhecimento das leis e não entendimento da democracia. Ou pior, muito pior. Plantar mentiras cheias de intenções.
A lenda urbana é alimentada pela falta de ética profissional jornalística, já que não ouvem os moradores das favelas, apenas os cruzados do MP ( Meio ambiente) e baseia-se em um curioso, de um observatório qualquer. Não consideram a história das comunidades, não atentam para as teses e publicações anteriores, para os Institutos e Universidades e ainda utilizam raciocínios absurdos que não deveriam ser levados á sério. Muito menos, publicados.
A verdade é que os "guardiões do verde", que atacam com super objetivas de seus helicópteros, estão levando suas mentiras a serem defendidas pela classe média acuada e desinformada. E sempre de longe da realidade, de muito longe, legitimam o avanço da especulação imobiliária, que tenta expulsar o pobre para construir seus condomínios.
Apenas para estimular nossa memória, lembro que no fim da década de noventa, o empresário Antonio Galdeano queria construir um complexo com torres, hotéis e condomínios nas encostas do Dois Irmãos. Usava a mesma simulação de imagem da Veja desta semana para tentar convencer os Vereadores a aceitar sua proposta. Venceu a idéia do Parque público. A encosta não virou favela, foi reflorestada, e a Chácara do Céu continua do mesmo tamanho. O que ouve foi a verticalização, que faz as casas ficarem visíveis e criarem a impressão de que não estavam ali antes.
No Alto da Boa Vista as Comunidades são históricas. Centenárias. Mas estão no caminho dos condomínios. Vejam o exemplo da Comunidade de Fazenda. Construída em torno de uma casa grande e de uma senzala que ainda estão lá para testemunharem os seus mais de cem anos de história. Os moradores desenvolvem projetos ambientais em parceria com o Instituto Terra Azul, o Parque Nacional, o Ibase e até a Petrobrás. Respeitam todos os ecos-limites e articulam até um canteiro de mudas para o reflorestamento. São zeladores do parque das Furnas, que a muito foi abandonado pela pelo poder público. Espaço de rara importância geológica, que foi estudado pelo suíço, Louis Agassiz em 1820, além de abrigar os governantes do Rio de Janeiro em 1711, quando da segunda invasão francesa na cidade. Eles são os responsáveis diretos pela preservação e não criminosos ambientais. Ouçam o Diretor do Parque Nacional da Tijuca, Ricardo Calmon, a Presidente do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro, Célia Ravera ou o Sub-Procurador Geral de Justiça do Ministério Público Estadual, Dr. Leonardo Chaves. Estes visitaram várias vezes as Comunidades. Não temeram a proximidade da verdade. Não estão presos em pedestais de poder.
Mas a verdade também tem várias facetas. Tramita na Câmara dos Vereadores o Projeto de Lei nº1307/2003 que muda inteiramente o decreto de 1992 que instituiu a área de Proteção e Recuperação Urbana do Alto da Boa Vista e passa a permitir, entre outras atrocidades, a construção de Condomínios nas encostas. Os lote mínimo passa de 10.000 M² para 360M². Isso sim um crime sem precedentes. Somente o condomínio do Itanhangá, desmatou em 10 anos uma área superior a todas as comunidades do bairro em um século de ocupação. Isto é verdade.
Um estudo sério mostrará facilmente que os mais ricos e suas empresas, ocuparam mais encostas, derrubaram mais árvores, invadiram áreas ambientais e de marinha, poluíram as lagoas e os rios, numa escala muito maior que as favelas.
O fato é que o ataque é focado nas favelas situadas em áreas valorizadas que estão no caminho da expansão imobiliária. Alto da Boa Vista, Itanhangá, Vargens, Canal do Anil, Chácara do céu, Parque da Cidade. São sintomas de segregação social, de intolerância, de discriminação. È a criminalização ambiental da pobreza. O velhíssimo bode na sala.
O México entregou um milhão de casas subsidiadas para os mais pobres em 2007. Deveríamos estar envergonhados. No Brasil não existe vez para a classe trabalhadora no nosso sistema imobiliário. As iniciativas como Nova Sepetiba foram enganosas. Hoje seus moradores estão abandonados a 60 KM do local de trabalho, sem transporte adequado, sem hospital, sem segurança, sem saneamento e a mercê da guerra entre milícias e traficantes.
A Favela também é cidade. Deve ser regularizada e urbanizada. Os jovens devem ser incluídos, a cidadania deve subir o morro, juntamente com as oportunidades, o banco, o supermercado, o teatro, a escola de qualidade, o médico e a polícia. Todos sabem disso. As soluções apresentadas pelos oportunistas de plantão, que pregam o fim das favelas é puro escapismo. A favela é uma realidade mundial. Resultado de tanta desigualdade. O que esperam de um país com a nossa divisão de renda, uma das piores do mundo?
Aos poderes institucionais o trabalhador não tem acesso, a não ser por raros representantes que, com crescente dose de dificuldades, consigam escapar do domínio e dos efeitos da mídia e do marketing político. A televisão, o Jornal, a revista e o rádio, apropriados pelo capital, cumprem, em seu espaço social absoluto, o antigo papel dos coronéis, exercendo, como registra o sociólogo francês Pierre Bourdieu, "perniciosa forma de violência simbólica". Quando a mentira é repetida seguidamente tende a virar verdade. Então nascem as grandes injustiças, as covardias e os crimes sociais.
As mães da favela não são fábricas de marginais. Geram e criam brasileiros. Os favelados são Cariocas como qualquer outro morador de Ipanema ou Bangu. A Chácara do Céu não está crescendo para dentro da floresta replantada por seus moradores. As Comunidades do Alto não irão se juntar. São fábulas urbanas contadas por Raposas Falantes.

"Viver para temer uma cidade. O medo não é o melhor conselheiro."

Parque da Catacumba - Cemitério da Cidadania



Sobre a crônica de Fernanda Torres para a Veja Rio de 11/06/08


" O que é a cidade, senão o seu povo? "
Willian Shakespear


Roberto Maggessi


"A remoção da favela da Catacumba foi uma tragédia." Essa é a opinião de Flávio Pinheiro, um dos melhores jornalista do país, editor-chefe do Estadão, idealizador e fundador da Veja Rio. E completa:
"A favela só é reconhecida na cidade com uma presença estatística, uma mancha na paisagem. Mas é muito mais do que isso. Ninguém sabe direito o que se passa nela e o que se passou. A memória é uma distinção de identidade, uma fonte de afetividade por mais dolorosa que possa ser (e não é só dolorosa, registre-se), uma singularidade. Há relatos comoventes nos registros de veteranos moradores nas fitas gravadas (e transcritas) do projeto de remoção. Memória de um crime social sem precedentes."
Segundo arquivos da Biblioteca Nacional, o terreno onde existia a Catacumba foi ocupado por uma chácara durante todo século 19. Sua antiga proprietária, a Baronesa da Lagoa, transferiu a posse das terras para seus escravos. Ali montaram um Quilombo. Por volta de 1925, o Estado dividiu a Chácara das Catacumbas em 32 lotes. Os primeiros barracos da futura favela começaram a ser erguidos ainda nos anos 30. Portanto, eram legítimos proprietários. Com o tempo, o ex-escravo foi virando novo pobre, e as terras da baronesa foram virando favela. O fato é que em 1970 o governo decidiu que os amigos da baronesa eram pobres demais para terem o privilégio da vista para a lagoa. Passou o rodo na área.( Limpeza Social ). Mandou o povo para casa do cassete e enfeitou aquele canto da lagoa com prédios de luxo e um grande "playground" arborizado e triste.

O plano de trocar as casas da lagoa pelas casas na casa do cassete parecia perfeito. Remover (como um tumor) os moradores e colocá-los em conjuntos habitacionais construídos na zona Oeste, que na época era um total vazio. Batizar com um nome bonito (Cidade de Deus) Golpe de mestre! Só faltou lembrar de um detalhe: Para viver, aquelas pessoas precisavam mais do que casas; precisavam de trabalho, o que obviamente não existia na área da casa do cassete – assim como também não existia infra-estrutura para que a região prosperasse, nem transporte para trazer os trabalhadores até seus antigos empregos na zona Sul. Aí o resultado: Cidade de Deus virou um dos maiores desastres sociais do Rio de Janeiro e um dos maiores quartéis do tráfico de drogas. Mas não importa. Para as Fernandas basta a distância, não a realidade.

Vejam o relato de D. Maria Dolores, 85 anos, sobre a Cidade de Deus da época:
"Não existia posto de saúde, iam todos para o Miguel Couto ( esqueceram de remover o hospital) e para o Hospital Cardoso Fontes. Várias vezes tive de sair de madrugada com o meu filho nas costas, pedindo carona para leva-lo para a Praça Seca. Foi duro naquela época. Antigamente, na cozinha, colocava o fogão não podia colocar a geladeira. Moravam na casa oito pessoas. Eu e meus filhos, mais dois de criação. O banheiro era um pequeno quadrado que se juntava à cozinha e, na frente, tinha uma pequena sala. A promessa sobre o local era grande, mas ao chegar vi que não era nada do que prometeram. Vivíamos no escuro e a rua era barro puro. Lá para baixo (perto da praça central da Cidade de Deus) era barro até o joelho. A distância para ir trabalhar quando vim morar na Cidade de Deus era muito grande. Simplesmente não tinha condução. Só passava, na época, o cata mendigo, como o pessoal chamava. Passava um de manhã e outro à noite, levando e recolhendo os moradores que trabalhavam."
Lembro de Pedro Mico, de Antônio Callado, malandro carioca, negro e bem humorado, protagonista da primeira peça teatral a utilizar uma favela como cenário, o Morro da Catacumba, em meados dos anos cinqüenta. A genialidade do autor e a sensibilidade para o assunto, qualidade rara nos que tentam escrever hoje, é revelante.
No texto, o autor faz um paralelo da vida do protagonista com a trajetória de Zumbi dos Palmares. Em certo momento da peça, a namorada de Pedro Mico, a prostituta Aparecida, sugere a ele que, assim como Zumbi, lidere uma invasão dos moradores do morro ao asfalto. A idéia seria tomar casas da classe média da Lagoa, bairro vizinho à favela, para antecipar-se a tentativa destes em destruir a favela. Quilombo urbano. Reação social.
Não vou sequer entrar nos detalhes macabros dos incêndios criminosos, da prisão de lideres comunitários na Ilha Grande, dos assassinatos, do pagamento de propina pelos especuladores imobiliários as autoridades, de Dona Sandra Cavalcante e seu conluio com as forças da ditadura, entre tantas barbaridades, dignas de crime contra a humanidade.
O pior, muito pior, é que esta estratégia criminosa não cessou. A campanha "Ilegal, e daí?" (que começou mostrando pequenas bandalhas da classe média, como ocupação de calçadas por restaurantes e acabou se concentrando no ataque as favelas) adota um viés legalista. Mas o problema não se resume à questão de obedecer ou não à lei. O buraco é muito mais embaixo. Elio Gaspari cita uma frase atribuída ao embaixador Otávio Dias Carneiro, que refaz a pontaria e recoloca a questão numa dimensão mais adequada: "Favela não é problema, favela é solução. Problema é falta de moradia."
Porém, as Fernandas compram o barulho dos especuladores que continuam achando que o pobre carioca não pode morar no Leme, no Horto ou no Alto da Boa Vista. Criaram a criminalização ambiental da pobreza, para legitimar a retirada das comunidades das áreas valorizadas e a abertura de caminhos para os condomínios de luxo. Nada mudou. Tiraram a Praia do Pinto para fazer a Selva de Pedra. Dentro da lógica. O rico pode invadir, desmatar, poluir, grilar, especular, vender...O pobre não pode morar. Legitimidade herdada do Brasil-Colônia com carimbo da ditadura.
Mas o medo do convívio com o diferente sempre fala mais alto. E, com uma retórica de que é necessário dar melhores condições de vida aos favelados, criaram-se os planos de remoção de favela que, como todos sabemos bem, não passam de uma política disfarçada de apartheid social. O resultado desta política está aí para quem tem sensibilidade para ver.Volto a Elio Gaspari para tentar convencer as Fernandas do retorno aos teatros. Em seu artigo "Favelofobia, um veneno social", ele ataca essa fobia da elite pela pobreza que a cerca. Diz o artigo com flagrante clareza e sabedoria: "Esses dois pedaços do Brasil precisam descobrir uma forma de convivência sem a premissa da eliminação do outro. Parece sonho, mas é melhor que pesadelo." E conclui com maestria. "O Brasil segregado, além de chato e inviável, não é uma fatalidade social. É apenas um anacronismo do atraso fantasiado de moderno. Entendeu agora, Fernanda?


Para abrilhantar sugiro:
Celebridades Palpiteiras – Furio Lonza
http://super.abril.uol.com.br/superarquivo/2004/conteudo_125202.shtml