sábado, 27 de junho de 2009

Dois Pesos e Duas Medidas




Artigo publicado no Jornal do Brasil - 14/06/2009


O estudo divulgado recentemente pelo Instituto Pereira Passos, mostrando que 70% das áreas de encostas são ocupadas pelas classes média e alta, começa a ajustar o foco no debate da preservação das áreas verdes da cidade. A favela, mais adensada, mas com uma área menor, respondia sozinha, pelos danos. Era a criminosa ambiental. Mas agora, o estudo traz para dentro do caldeirão de discussões as mansões e condomínios, que avançam silenciosos, sob uma teia de proteção “legal”, que contém inúmeros fios de irregularidades e contam com a conivência, omissão e até com uma mão decisiva do poder público em seus vários segmentos.
Então surge a pergunta - Como tornar legal uma construção acima da cota cem, em área de proteção permanente, que causou um enorme impacto ambiental? Ou um imenso condomínio de prédios com mais de dez andares em área aterrada as margens de uma lagoa?
A resposta vem, aos poucos, desenhando-se aos olhos de quem quer enxergar. O que permite tais edificações é uma verdadeira colcha de retalhos de leis novas e antigas, feitas de acordo com a necessidade de crescimento das mansões e condomínios. A especulação imobiliária tem, historicamente, um fortíssimo lobby dentro das nossas Casas de Leis e financia as campanhas dos principais políticos. Com isso cria-se uma gama de Leis de interesse privado, que distorcem e renegam toda a Legislação Ambiental adequando-a as necessidades do capital especulativo e seus aliados.
O mais recente exemplo é o Projeto que cria a AEIU – Área de Especial Interesse Urbanístico do Itanhangá, em trâmite na Câmara Municipal, feita ao apagar das luzes do governo de César Maia, que permite, entre outros crimes, a construção de condomínios até a cota 150, abertura de vias de acesso, rasgando a mata das encostas, e que , paradoxalmente, torna o gramado do Itanhangá Golf Club área de proteção ambiental. Um grande absurdo. Outro exemplo clássico é o projeto, também de iniciativa da Prefeitura, que regulariza a APARU – Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana do Alto da Boa Vista – que passa a permitir a construção de condomínios em encostas verdes a mais de 200 metros de altitude, em plena área de amortecimento do Parque Nacional da Tijuca. Em ambos os casos, os moradores apresentaram substitutivos de iniciativa popular, proibindo os condomínios.
Também o Código de Obras do Município entra em claro conflito com a Lei da Mata Atlântica e o Código Florestal, principalmente no que diz respeito ao limite da cota 100, ao topo dos morros, a inclinação do terreno acima de 45° e o afastamento de 30 metros das margens de rios e lagoas. Os empreendimentos nas encostas estão fora da Lei Federal, mas são licenciados pela Lei Municipal. A revisão do Plano Diretor da Cidade pode tornar-se um fundamental instrumento para adequar a Legislação urbanística com a Legislação Federal. Isso acabaria com as Leis de interesse especulativo privado. Mas, a revisão do Plano está atrasada em sete anos, numa clara ação proposital, para que as Leis camaleônicas continuem a entregar a cidade e seu futuro nas mãos do interesse imobiliário.
Ricos e pobres que ocupam os morros da cidade tem tratamento diferenciado. Muros e demolições são impostos a Comunidades que não apresentam expansão, que respeitam os limites da mata, como o Santa Marta e a Babilônia. Enquanto isso, puxadinhos granfinos na área da Apa do Morro da Saudade e Cabritos, em processo a mais de quinze anos, estão intactos. No Alto da Boa Vista, o Ministério Público do Meio Ambiente, na figura da Promotora Rosani Cunha, pediu em Inquérito Civil Público, a remoção das Comunidades Centenárias e sequer citou os inúmeros condomínios e mansões que cercam as comunidades.
É o momento de ampliar a discussão. Ela deve passar pela geração de moradia popular, pela regularização e urbanização das favelas, pela supervalorização dos espaços urbanos, pela reforma na legislação urbana e buscar um compromisso real com uma solução social e ambientalmente sustentável para a cidade do Rio de Janeiro.